sexta-feira, 11 de março de 2011

GUATÁ

 
Quem quizer ter uma visão ampla do panorama cultural do Paraná e do Brasil, tem que se ligar imediatamente ao conteúdo do site Guatá-Cultura em Movimento. Com uma identificação marcante com os propósitos do nosso blog, pois Guatá no idioma Guarani significa Caminhar, o leitor encontrará no Guatá um panorama geral, amplo e informativo a partir da Terra das Cataratas.
Fóz do Iguaçú é hoje um centro cosmopolita conhecido mundialmente pelas suas belezas naturais, em especial pelas maravilhosas Cataratas, mas agora também pela sua agitação cultural, devida em grande parte ao Guatá. A inteligência e sensibilidade do seu conteúdo acabaram por definir Fóz do Iguaçú e região como um dos centros culturais mais importantes do Brasil.
 
www.guata.com.br

quarta-feira, 2 de março de 2011

O MISTERIOSO CAMINHO MILENAR 3ª Parte (ultima)

Pela primeira vez

Documentos informam que o Caminho, no PR, foi trilhado por centenas de conquistadores espanhóis e portugueses, colonos, bandeirantes matadores de índios, padres (principalmente jesuítas), e por levas de desbravadores mais modernos, nos séculos 19 e 20.
Mas e antes disso? Se o Peabiru ia de um lado a outro do continente, uma pergunta que sempre se faz é: que povos indígenas percorreram o trajeto de oceano a oceano e quando isso aconteceu?

A resposta é outra "novidade" que agora vem aparecendo. No livro História do Caminho de Peabiru apresentamos indícios de que a tribo guarani pode ter sido a primeira a fazer a rota completa, de mar a mar.

Unindo escritos de Montesinos (anos 1600), Boman, Bertoni, Means, Imbelloni, Latchman, Vignati, Cabrera e outros (a maioria do início dos anos 1900) a textos recentes de arqueólogos europeus e bolivianos (Parssinen, Siiriainen e Faldin, 2003 e 2005) verificamos que os guaranis podem ter penetrado nos Andes séculos antes do que se pensava e teriam chegado ao Pacífico, nas praias chilenas de Copiapó, por volta dos anos 500 ou 600.

Somando-se a isso houve, em 2008, a revelação de um antigo mito guarani, por Adão Karai Tataendy. Em seu livro Palavras do Xeramõi, ele conta uma incursão da tribo aos Andes e ao Pacífico, para "buscar o fogo no fim da terra".Assim pode-se cogitar que o Peabiru inteiro, de ponta a ponta, teria sido "inaugurado" por um povo indígena, o guarani, mil anos antes da invasão européia do século 16.

Depois dessa tribo, séculos mais tarde, é possível que também os incas tenham trilhado o Caminho todo, de um mar a outro. Porém essas viagens tiveram uma característica diferente, pois as incursões dos cuzquenhos até as praias atlânticas parecem ter sido raras e efetuadas por uns poucos batedores, os já citados "espiões do soberano", em rápidas tarefas de prospecção. 


Botando no "kuatiá"

Antes de encerrar, gostaria de dizer que boa parte das descobertas e segredos peabiruanos que incluí no volume 1 de meu livro vieram da memória ancestral de guaranis do litoral de SC e autorizados por eles.

Convivo com suas aldeias desde 1998. Confesso, porém, que no início quase desisti. O laconismo guarani, muito conhecido entre os estudiosos, dava-me a sensação de que minhas visitas não eram benvindas. E mais desanimador: quando lhes fazia perguntas sobre o Peabiru, davam-me respostas vagas e logo silenciavam.

É que certos assuntos, tidos como sagrados, não são contados aos juruás (os não-índios). Diz Saguier: "Existiu desde sempre, até nossos dias, uma resistência profunda por parte do indígena guarani em revelar a estranhos o conteúdo de suas crenças religiosas".

Isso durou anos. Cheguei a imaginar que a tribo tinha esquecido de tudo, após tantos séculos de contato com a sociedade dos juruás. Como que adivinhando, alguns me disseram, então, que não pensasse que eles não conheciam as respostas. Conheciam. Porém, explicaram, o Peabiru, a Terra Sem Mal e até Aleixo Garcia eram coisas sobre as quais não gostavam de conversar.

Respeitei e calei-me. Mas já gostava tanto deles, já tinha feito tantos amigos nas aldeias, que continuei indo, mesmo sem perguntar mais nada.

O tempo correu, chegou 2004. Sete anos haviam se passado desde que pisara a aldeia do Morro dos Cavalos pela primeira vez.

Num dia de abril, eu e meu pai nos dirigimos até lá, para uma daquelas visitas corriqueiras. Fomos recebidos pelo cacique Werá Tupã (Leonardo), nosso amigo.

Ao cumprimentá-lo, notei que ele estava extraordinariamente feliz com nossa visita.Sempre tão discreto e silencioso, me disse animado: "Você ainda quer saber sobre aquelas perguntas, né?"

"Quero sim, e como !" – respondi. Deu um sorriso de menino sapeca: "Então hoje vou lhe contar". Foi um susto! Até meu pai, que sabia da longa espera, ficou emocionado. Depois de 7 anos, finalmente!

"Não falamos nada antes, porque você não estava preparada" – esclareceu Werá. "São coisas sagradas. Não adiantava contar porque você não ia entender. Hoje vou falar, mas só um pouco. Guarani é assim, tudo de pouquinho" – sorriu. Na expressão do rosto, de novo o menino sapeca.

Mas a conversa foi de gente grande. O cacique explicou algo do Peabiru, da Terra Sem Mal, de Aleixo Garcia e até dos incas. O pouquinho dele, para mim foi um "poucão".

A partir dalí, as informações nunca mais pararam de chegar. Vindas tanto do próprio Werá, quanto de líderes e pajés centenários de diversas aldeias, entre elas Biguaçu, Cachoeira dos Inácios e rio Sorocaba.

Completam-se agora 6 anos em que a sabedoria deste povo me emociona. E em que seus conhecimentos sobre o Peabiru e outros temas me maravilham. Não há como agradecer tanto. Ou melhor, há, como já disseram os amigos guaranis: "Bote sempre nossa história bem certinho no kuatiá". Kuatiá, no caso, significa papel. E "sempre bem certinho" significa: nos respeite e tente não cometer erros que outros brancos já cometeram.


OS RAMAIS PARANAENSES

Segundo se deduz de escritos antigos e de relatos orais indígenas, o Peabiru possuía vários ramais norte-sul e sul-norte, que davam acesso às rotas principais leste-oeste e oeste-leste. Dentro do estado do PR houve alguns deles, podendo-se destacar 4 :

Foz do Iguaçu



 Este ramal é historicamente famoso porque por ele passou o adelantado (governador) do Paraguai, Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, em 1542. Este espanhol é considerado o descobridor das grandiosas cataratas do Iguaçu. Em sua viagem para tomar posse do cargo, ele trilhou o Peabiru desde S.Catarina até Assunção, guiado por índios guaranis.
Em boa parte do percurso utilizou o tronco principal leste-oeste do Caminho, mas no rio Piquiri ao invés de seguir até Guaíra/Terra Roxa, que era o trajeto tradicional, o governador desceu para o sul e acabou dando nas cataratas de Foz.
Isso ocorreu em algum ponto da margem esquerda do Piquiri, muito antes de Guaíra. Na obra Comentários, escrita por seu secretário Pero Hernandez e que descreve a viagem, insinua-se que a descida ao sul foi um conselho dado por um novo grupo de guaranis, que haviam substituído os guias vindos de SC.
E qual teria sido o motivo de tal conselho?
Alguns estudiosos dizem que a intenção dos novos índios acompanhantes era desviarem-se de Guaíra, onde naquele momento estariam presentes tribos inimigas. Outra tese é de que a intenção era causar a morte do governador, fazendo com que despencasse nas cachoeiras. Os índios teriam sido insuflados por Domingo de Irala, que governava o Paraguai como interino e não desejava entregar o cargo.
Curiosamente, o adelantado e suas canoas quase caíram mesmo nas águas furiosas. Sua esperteza o salvou, pois ao ouvir o forte rugido das quedas, retirou rapidamente as embarcações do rio.
O jornalista Rogério Bonato, de Foz, nos disse numa conversa em 2007 também suspeitar que a entrada de Cabeza de Vaca no Iguaçu pode ter sido "uma armadilha". Em seu romance Ara`puka, Bonato falou que os indígenas da região costumavam livrarem-se de visitantes indesejáveis conduzindo-os na direção das cataratas. Informou-nos que o local, na língua tupi-guarani, era justamente conhecido como ara`puka (arapuca, armadilha). Não há dados exatos sobre esse ramal. Supõe-se, porém, que seu trajeto fosse: Corbélia – Céu Azul – Capanema – Medianeira – Foz do Iguaçu. 

Campo Mourão

Este ramal cruzava o coração do PR, uma importante área indígena densamente povoada por várias tribos. No século 16, época da invasão européia, tudo indica que seus mais numerosos habitantes eram os guaranis, grandes conhecedores e usuários do Peabiru.
Após a entrada dos brancos, a região fez parte do Guairá, província onde os espanhóis construíram cidades (explorando o trabalho indígena) e reduções jesuíticas que também usaram o trabalho dos índios, impondo-lhes ainda uma religião estranha e uma vida confinada.
Rota de trânsito de castelhanos, o trecho serviu também para portugueses e mestiços (os bandeirantes paulistas) penetrarem na área para espalhar o terror, matando os índios velhos e crianças, e "caçando" os jovens e saudáveis para a escravização.
Séculos depois, o ramal pode ter sido uma das vias de entrada de colonizadores no interior do PR, conhecidos como "os pioneiros".
Seu trajeto aproximado era: Jardim Olinda/Itaguajé – Paranapoema – Uniflor – Maringá – Itambé – Engenheiro Beltrão – Peabiru – Campo Mourão. A partir daí, parece que havia duas opções para acessar o Caminho principal. A primeira era Farol – Janiópolis – rio Piquiri. A segunda, Luiziana – Mamborê – Nova Cantu – Campina da Lagoa – Ubiratã. 

Castro

Este ramal, na verdade, fez parte do tronco principal paulista que partia de S. Vicente e Cananéia. Entrava no PR pelo vale do rio Ribeira. Pesquisadores castrenses supõem que Aleixo Garcia e Cabeza de Vaca estiveram naquela região e que uma das aldeias guaranis citadas nos Comentários situava-se no município. Mais tarde, o trecho também teria servido para os bandeirantes penetrarem nas terras paranaenses à busca de escravos indígenas.
Seu trajeto aproximado era: Adrianópolis – Doutor Ulisses – Castro. Ligava-se ao Caminho principal talvez em Ponta Grossa ou Tibagi.

Campo do Tenente
 
Este ramal, na verdade, fez parte do tronco principal catarinense que partia do litoral e rio Itapocu. Entrava no PR pelo sudeste.
No século 16, o trecho foi trilhado por Aleixo Garcia e Cabeza de Vaca, além de outros espanhóis. Mais tarde, segundo vários estudiosos, entre eles Henrique Schmidlin, virou caminho de tropeiros que levavam gado a SP e MG.
Seu trajeto aproximado era: Rio Negro – Campo do Tenente – Lapa – Palmeira. Ligava-se ao Caminho principal talvez em Ponta Grossa ou Reserva.

Referências bibliográficas

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