quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A IMPRESSIONANTE ASTRONOMIA DOS INDIOS BRASILEIROS - parte 2


Conforme o prometido em dias passados, com essa segunda parte vamos encerrando a entrevista concedida pelo arqueoastrônomo Germano Bruno Afonso à jornalista e escritora Rosana Bond.


Como tem sido suas pesquisas junto aos índios brasileiros?
 
Trabalho muito com os índios, com Astronomia Indígena, principalmente com o conhecimento dos pajés. Sou astrônomo profissional, mas trabalho com o conhecimento indígena do céu. Muito daquilo que digo se baseia no modo como os pajés me explicaram para fazer a leitura do céu. Este é o sentido do meu trabalho nos últimos anos- a Arqueoastronomia e a Astronomia dos índios brasileiros. Nos monólitos que estudamos na Usina Segredo, na Bahia e Sta. Catarina, duas características nos chamaram a atenção. Primeiro, o fato delas possuírem uma orientação astronômica. Segundo, a sua altura- de 1,50 a 1,60 m.
Aí, conversando com os pajés, me explicaram os motivos da orientação e da altura. Os índios e os povos antigos não faziam Astronomia só por fazer. Tudo tinha uma razão de ser além da parte prática, com finalidade de orientação- os pontos cardeais. Havia toda uma parte religiosa, de ritual, de culto aos mortos, de fertilidade, etc., que também era ligada à Astronomia. Por exemplo, para os Tupi-Guarani cada um dos pontos cardeais representa o domínio de um deus. O deus maior, que fica em cima da cabeça, é Nhanderu. Os demais quatro deuses, representados pelos quatro pontos cardeais, foram aqueles que o ajudaram a fazer a Terra e todos seus habitantes. Quanto a altura das pedras, os pajés explicaram que tal medida era para facilitar a mira do índio quanto à posição do nascer ou pôr-do-sol, para ele se localizar melhor em relação às estações do ano. A pedra serve de mira. Então você se afasta um pouco e ela tem que estar na altura dos olhos. E a altura dos olhos do índio era aquela.

Os índios brasileiros também utilizavam constelações para orientação e calendário?
 
Sim, a constelação do Cruzeiro do Sul, por exemplo, era usada para determinar os pontos cardeais, as horas da noite e as estações do ano. Há muitas gravuras e pinturas rupestres que representam uma cruz nos sítios arqueológicos. Para os índios das famílias Tupi-Guarani, a constelação do Cruzeiro do Sul tem também um sentido mitológico. Fomos muito criticados, até por intelectuais, quando falamos que aqueles monólitos que estudamos tinham ligação com os índios e possuíam objetivos astronômicos. Isto porquê o preconceito dizia que o índio brasileiro, o paranaense, catarinense, etc., não tinham o menor conhecimento de Astronomia. E isso me chocou, porque é sabido que todos os povos antigos faziam a leitura do céu. O contrário é que não é verdadeiro.

Como os índios brasileiros marcavam o mês e o ano?
 
O primeiro dia do mês era quando aparecia do lado oeste, logo após o pôr-do-sol, o primeiro filete da Lua, depois da Lua Nova, quando a Lua não é visível. O ano se iniciava quando as Plêiades, conhecida como as Sete Estrelas, apareciam pela primeira vez, do lado leste, logo antes do nascer do sol, perto do dia 11 de junho, depois de cerca de um mês sem serem vistas. O conhecimento astronômico dos nossos índios aparecem em inúmeras gravações rupestres no Paraná e Sta. Catarina. Encontramos a representação de um cometa numa pedra no Paraná. Se você mostrar para qualquer criança ela vai falar que é um cometa. Tem o núcleo, a cabeleira, a cauda. O desenho é perfeito, inclusive a cauda não é reta. E por que? Porque quando é a cauda de um cometa velho ele só tem gás, então a cauda é reta devido ao vento solar. Mas quando o cometa é jovem, grande e brilhante, ele solta “poeira”e a cauda é curva. Então se deduz que foi um cometa grande e brilhante que os índios desenhistas viram e representaram. Localizamos também uma rocha que tem nada menos que 250 desenhos (relacionados com Céu. Isto para vermos que o nosso índio, desde a pré-história, já tinha cultura astronômica, ao contrário do que muita gente diz.

É verdade que o sr. descobriu uma rosa-dos-ventos dos guaranis no Paraná?

Os Guarani tem uma rosa-dos-ventos. Uma informação que li sobre a gênese Guarani era de que no Céu existiam palmeiras azuis representando os quatro deuses (os quatro pontos cardeais: norte, sul, leste, oeste) e suas quatro esposas (os pontos colaterais: nordeste, noroeste, sudeste e sudoeste) formando uma rosa-dos-ventos. Os Guarani dizem que tudo o que existe no Céu existe também na Terra, porque a Terra nada mais é que um reflexo do Céu.Aí começamos a procurar algum vestígio concreto disso. Até que um dia no Paraná, em com Itapejara do Oeste, na beira do rio Chopim, encontramos essa rosa-dos-ventos! Vimos um círculo de palmeiras, colocamos o teodolito no meio do círculo e medimos as dimensões dessas palmeiras. O resultado é que deu exatamente os pontos cardeais e colaterais! Curioso notar que a palavra Itapejara não significa nada em Guarani. No entanto, originalmente essa região se chamava Tapejara , que significa em guarani O Caminho do Senhor. E com certeza uma rosa-dos-ventos vem a ser um excelente guia!

Por que o sr. tem percorrido escolas da região sul ensinando Astronomia Indígena?
 
As constelações dos índios são muito fáceis de observar. Notei algo de curioso: as constelações da astronomia ocidental( as que constam em nossos livros) geralmente as pessoas leigas não conseguem ver. Eu, como astrônomo, sei obviamente onde estão todas as principais estrelas de uma determinada constelação, mas consigo imaginar com dificuldade um Leão naquele tal lugar, ou dois Peixes em outro lugar. Agora, pensem numa criança ou numa pessoa leiga no assunto. Elas olham o Céu e ficam decepcionadas. Com as constelações indígenas isso não acontece. Não precisa forçar a imaginação, você olha e enxerga. Por que? Por que os índios não juntavam simplesmente as estrelas. Juntavam as estrelas brilhantes e formavam as figuras com as manchas claras e escuras da Via Láctea. Além disso, eles vêem mesmo determinado animal no Céu. Como aquela brincadeira que a gente faz com as crianças, de enxergar desenhos nas nuvens. Para o ensino da Astronomia para crianças, as constelações indígenas são um precioso auxiliar. Quando elas aprendem as constelações indígenas- da Anta, do Veado, da Ema, da Cobra, da Canôa, etc.- depois a ocidental fica mais fácil de ensinar. Primeiro você mostra a indígena, e depois a ocidental. Assim ela não se decepciona e se sente motivada a visualizar a outra. Para encerrar essa entrevista, muito pouca gente sabe que a lenda do Saci Pererê, tido como africana, é o Jacy Jaterê dos índios brasileiros.e significa “Fragmento de Lua”. A origem do Saci Pererê é a mitologia indígena e tem forte ligação com a Astronomia.

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