terça-feira, 17 de maio de 2011

ITAPOCU E PEABIRU (parte 03)


Estamos postando a continuação do trabalho do pesquisador José Alberto Barbosa, de Jaraguá do Sul - SC intitulado Ytapecu, Rio Caminho Antigo, onde o autor se refere fartamente sobre o Caminho do Peabiru.

 

1 . Seja como for, o Caminho do Peabiru, pelo menos em tempos liminares aos históricos, tinha o curso do rio Itapocu como seu ramal mais importante; e isso sabemos porque o mais usado ou pelo menos o mais referido pelos índios da costa, nesse tempo de virada histórica, além de, vindo por ele, se topar nele com índios caminheiros pelo sertão e, por via de conseqüência, ser o roteiro mais buscado também para as primeiras entradas européias no sertão planaltino. O trecho que, vindo da Ilha de Santa Catarina (talvez desde a Ponta de Massiambu) e bordejando o litoral catarinense, entrando pela foz do rio Itapocu, subindo pelo curso do rio – e provavelmente por pelo menos uma das margens -, daqui pegando a Serra do Mar e indo, no Paraná, encontrar-se com o corpo principal do afamado caminho, vindo da terra dos paulistas. Isso se o Vale do Itapocu não fora em si mesmo parte do próprio Caminho Tronco do mesmo Peabiru.



O que nos induz a dizer, atualmente, que ele é apenas um ramal do afamado caminho, ainda que muito importante e mesmo o mais perlustrado por brancos e índios já em tempos históricos, é o fato de até o momento não haver um levantamento científico do trajeto itapocuense dele e mesmo do litoral catarinense. A verdade é que não apenas pelas águas do rio Itapocu se deve buscar as rotas antigas, não apenas pelo uso de canoas, mas também pelas suas margens, onde é esperável que estudos arqueológicos vão ainda descobrir não somente mais aldeamentos além dos que já se descobriu, como também vestígios dos caminhos pré-históricos margeando o importante rio, inclusive, talvez, com descoberta de vestígios de gramíneas em tal trajeto, no vale como também no litoral e percorrendo a costa catarinense. Em Santa Catarina o Peabiru também era muito amplo e distribuído, incluindo-se nele, segundo me informou o historiador Fernando Bitencourt, de Garopaba [Fone (0..48) 254-4577], também trechos sitos na região do Município de Tubarão. E penso que no Oeste catarinense o Peabiru cortava as matas ali até há poucas décadas existentes, unindo os índios do Paraná com os indígenas do Rio Grande do Sul, juntando-se ao Peabiru visto e testemunhado pelo Pe. Montoya. Os indígenas que subsistem em reservas na região – guaranis e jês - poderiam muito bem dar informes preciosos sobre isso, se devidamente entrevistados.

Meu amigo Amadeus Mahfud, de Jaraguá do Sul, homem muito lido, instado por mim a escrever um artigo a respeito do Peabiru, fez um manuscrito intitulado “Comentários sobre o “Caminho do Peabiru”, escrito este até agora inédito, porque destinado ao “Cadernos da Ilha”, Florianópolis, que infelizmente, por ora, não está sendo editado. Pois bem, nesse trabalho, datado de 08.04.2005, ele trata da preferência dada ao rio Itapocu como local de ingresso desde o litoral para o hinterland catarinense. Baseias-se em relatos de Hans Staden e João Sanches. Ali, colhe o relato de Pedro de Orantes no sentido em que, indo à frente de um grupo de homens cristãos e índios, por ordens de Cabeza de Vaca – que se encontrava na Ilha de Santa Catarina – e com fito de achar caminho seguro para Assunção, ao retornar meses depois, “Disse também que soubera pelos índios da ilha, que a maneira mais segura e próxima de entrar para a terra povoada era por um rio que estava pouco acima, chamado Itabocu que está na ponta da ilha, a dezoito ou vinte léguas desse porto”. Diz Mahfud, com acerto, que essa preferência dada ao rio Itapocu foi confirmada por João Sanches, de Biscaia, o piloto de Cabeza de Vaca e o qual, inclusive, anos depois seguiria por ali mesmo, com outro grupo. Tudo isso consta do livro “Duas Viagens ao Brasil”, de Hans Staden, com introdução e notas do escritor Francisco de Assis Carvalho. Os relatos de João Sanches estão ali. E quem chamou-me a atenção para isso, já há muitos anos, foi o próprio Amadeus Mahfud, que muito me introduziu nesses assuntos relativos ao rio Itapocu. Num artigo intitulado “A presença indígena no vale do rio Itapocu”, o autor Egon L. Jagnow, funcionário da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Jaraguá do Sul, narra que os tupis e guaranis eram, ao tempo da conquista lusitana, os verdadeiros senhores do vale. Dentro de seu conhecimento, faltam estudos maiores a esse respeito, inclusive dos muitos líticos e cerâmicos com que o povo vai topando, em geral nos trabalhos na roa e que essa gente foi e vai recolhendo e guardando em pequenos acervos particulares. Os tupi-guaranis, diz ele, eram os senhores da região litorânea, antes de dizimados pelos europeus. Mas não esquece de nomear os sambaquianos. Os xoklengues, possivelmente por volta do século XVII, passaram a dominar o vale do Itapocu, já despovoado de guaranis [Obs: Observo que os xoklengues eram gês, nômades e que os relatos históricos locais relatam rara presença dos mesmos, que evitaram a aculturação com os europeus, chegando mesmo a cometer assassinatos contra colonos], sendo os encontrados durante a colonização do vale. Dentre os vestígios que considera dos tupis, Egon L. Jagnow inclui os nomes dos rios e mais acidentes locais, como Itapocu, Jaraguá, Guamiranga. E tem ele toda razão. São restos vestigiais da antiga ocupação e dominação tupi-guarani neste vale. Apenas mais perto da foz, conheço descobertas arqueológicas de sítios tupi-guarani, o que relato na presente obra. Outra prova indicial, diz Egon Jagnow, são os líticos e cerâmicos encontrados e encontráveis na região: pontas de flecha, machadinhas, mãos-de-pilão, embora lhes falte um estudo indicativo das tradições culturais de que provêm. Como tais líticos e cerâmicos, todavia, induzem permanência na terra, sendo acháveis durante os trabalhos de aradura, por exemplo, acho mais provável a origem tupi-guarani. Ao contrário deste, diz Egon L. Jagnow com inteiro acerto, “Os xoclengues, devido a sua qualidade de coletores, eram nômades e seus acampamentos não duravam muito tempo num mesmo lugar. Apenas dias, se muito, semanas ou alguns meses. Sua presença no vale do Rio Itapocu, portanto, era fugaz. É de supor que, devido às características da mata – densa e úmida -, eles realizassem apenas incursões de caça e coleta de alimentos”. E Jagnow, inclusive, refere uma manifestação de Alfredo d`Escragnolle Taunay, o presidente da Província de Santa Catarina, quando, tratando dos índios catarinenses, diz em 1877 que: “grande quantidade deles pertencentes às tribos dos Botocudos, Coroados e Puris, vagam ainda pelas florestas das serras de Lages (...). Parecem freqüentar mais habitualmente a serra do Trombudo, o Tayó, o vale do Itapocu (...). De certa época para cá, recomeçaram com suas tentativas de agressão, ou por espírito de vingança, ou por se verem expelidos das regiões, que pela abundância de caça, como no Itapocu, lhes proporcionavam cômoda existência” [Egon L. Jagnow, citando Frei Aurélio Stulzer, in “O Primeiro Livro do Jaraguá”]. Tratando a respeito da presença de caminho indígena pelo Vale do Itapocu, diz que “Embora não se tenha provas físicas e arqueológicas sobre o mesmo, tem-se alguma documentação que prova que por aqui passava um caminho indígena, várias vezes utilizado pelos espanhóis” [Egon, in opus cit.].

Devo acrescentar que meu saudoso amigo Gerhard Herrmann, de Corupá, sustentava a existência de um caminho que, iniciando ali em naquele município e que está aos pés da Serra do Mar, subia por ela, ganhando as altitudes. Convidou-me muito a visitá-la e acabou falecendo sem que eu fosse vê-la e, contudo, seria mais trabalho para arqueólogos. De todo modo não é coisa que apenas ele sabia. É algo de domínio público. Disse-me Herrmann que se tratava de estreita trilha, calçada com pedras. Está lá, para os pesquisadores a verem, fotografarem. A própria família Herrmann saberá indicar onde se encontra a referida estrada. Também deve haver dados na Prefeitura Municipal de lá. Sendo estrada calçada de pedras, a princípio julguei não fosse trilha peabiruana, visto que desconhecia alguma assim, pavimentada com pedras. Agora, porém, sabendo que o tupinólogo Luiz Caldas Tibiriçá encontrou no Mato Grosso, perto da fronteira com a Bolívia, um quilômetro de estrada pavimentada, recoberta aluvialmente e estando a vários centímetros sob o solo, passo a acreditar que num ou noutro ponto os construtores – fossem quem fossem eles -, possam ter usado, sim, pavimentação pétrea. De todo modo a misteriosa estrada corupaense pode ter sido aberta pelo nosso fundador jaraguaense, o Cel. Emílio Carlos Jourdan, eis que justamente pelas bandas onde Gerhard Herrmann me disse que havia a tal estrada, era a região por onde, segundo me consta, subiam e desciam os homens do Cel. Emílio Carlos Jourdan – talvez com ele junto – quando iam comprar gado nas terras planaltinas. Poderia ser, eventualmente, um velho caminho de tropeiros são-bentenses, para mais facilmente virem vender seus produtos em Joinville, evitando, assim, ter que passar pela mais longa e muito esburacada Estrada Dona Francisca. Enfim, o caminho está lá, aguardando por estudos. Idem a misteriosa trilha que, se diz, foi encontrada em Guaramirim. Os estudiosos necessitam abrir seus olhos para este Vale do Itapocu e nele fazer as devidas prospecções arqueológicas. Esta terra é um verdadeiro tesouro aguardando a chegada dos especialistas.


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